O Bondinho do Pão de Açúcar, um dos mais icônicos pontos turísticos do Brasil, segue operando sem regulação desde 1999. São 25 anos desde o vencimento do último contrato que regulamentava o transporte entre a Praia Vermelha e os morros da Urca e Pão de Açúcar, na Zona Sul do Rio de Janeiro. O impasse entre a Prefeitura do Rio, o Governo do Estado, a União e a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, responsável pela administração do bondinho desde 1909, trava a realização de uma nova licitação.
O conflito gira em torno da natureza do serviço: enquanto a Justiça considera o bondinho um meio de transporte e defende a necessidade de uma licitação, a empresa responsável alega que realiza uma atividade turística de caráter privado, o que dispensaria a obrigatoriedade de regulação por concessão pública.
Especialistas alertam que a ausência de uma nova licitação deixa o serviço em uma área de incerteza jurídica. Sem um contrato em vigor, o bondinho opera sem regras claras sobre as tarifas e a prestação de serviços. Essa lacuna foi alvo de críticas recentes, após o fechamento do local para um evento privado no dia 21 de setembro, em pleno sábado de sol e durante o Rock in Rio, quando turistas e cariocas foram impedidos de acessar o teleférico.
A ocasião foi um casamento de um funcionário de alto escalão do Grupo Iter, empresa que administra o bondinho. A justificativa da empresa foi de que, além do casamento, o local passaria por manutenção. Entretanto, o fechamento para um evento privado em um espaço público gerou controvérsias.
Felipe Ponte, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destacou a necessidade de que serviços públicos, como o Bondinho do Pão de Açúcar, sejam submetidos a regras de universalidade e modicidade tarifária. "Você não deve fechá-lo para uso privado, pois estamos falando de um imóvel público. Esse serviço deveria se submeter a regras claras, incluindo limites de tarifa", afirmou Ponte.
A disputa entre a natureza pública ou privada do bondinho remonta ao início do século XX. Inaugurado em 1912, o bondinho foi inicialmente um projeto do engenheiro Augusto Ferreira Ramos, com apoio de empresários e autorização da Prefeitura do Rio. A primeira concessão foi dada em 1909 e renovada várias vezes ao longo do século.
Em 1999, quando venceu a última concessão, a Prefeitura do Rio abriu uma nova licitação. A Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, no entanto, discordou da necessidade de um novo processo e acionou a Justiça, alegando que a atividade tinha caráter turístico e privado. O caso se arrastou por quase duas décadas nos tribunais, até que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) decidiu que o serviço deveria ser licitado.
A Justiça argumentou que o bondinho é um meio de transporte público, já que a tarifa era historicamente fixada pela Secretaria de Transportes. "A natureza da relação jurídica à qual a empresa se submeteu há mais de um século não pode ser alterada agora para justificar a apropriação de todo o complexo", sentenciou o tribunal.
Após questionamentos da imprensa, a Prefeitura do Rio informou que dará início aos estudos para a realização de uma nova licitação, com o objetivo de regularizar o serviço e garantir que o bondinho continue operando de acordo com as normas exigidas para concessões públicas.
Enquanto o impasse permanece, o Bondinho do Pão de Açúcar segue como um ponto de debate entre governos e especialistas sobre a gestão de serviços públicos e o equilíbrio entre turismo e transporte na cidade do Rio de Janeiro.