O Brasil vive uma explosão no número de imóveis vendidos em leilões, reflexo direto do alto índice de inadimplência nas prestações de financiamentos imobiliários. Apenas no primeiro semestre de 2024, 44 mil imóveis foram leiloados, número que supera o total combinado dos dois anos anteriores, segundo levantamento do setor.
Grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, têm registrado um aumento significativo nas vendas públicas de imóveis por meio de leilões. A prática, que consiste na venda de bens pelo maior lance, tornou-se uma alternativa tanto para instituições financeiras quanto para investidores, mas carrega um peso emocional para as famílias envolvidas.
"Estamos lidando com um crescimento de 80% no volume de imóveis leiloados nos últimos anos. Em 2018, os editais costumavam listar cerca de 200 imóveis por mês. Agora, são entre 800 e 1.000", explica Natália Roxo, advogada especializada em direito imobiliário.
O processo de perda do imóvel pode ser rápido. Segundo a legislação, o proprietário inadimplente é notificado sobre a dívida e tem 15 dias para quitá-la. Caso isso não ocorra, a consolidação da propriedade em nome do credor é registrada, e o leilão pode ocorrer em até 60 dias. "Dentro de seis meses, o proprietário pode perder o imóvel", alerta Roxo.
Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo mostram que cerca de 77% das famílias brasileiras estão endividadas, evidenciando a fragilidade financeira de grande parte da população. Para a professora Maria Paula Bertran, especialista em Direito Econômico da USP, essa saturação da capacidade de pagamento reflete um problema sistêmico.
"Quando olhamos para crises imobiliárias anteriores, vemos que esse ciclo de inadimplência causa impactos econômicos generalizados. O endividamento não afeta apenas os devedores; ele influencia o mercado e a economia como um todo", afirma Bertran.
A especialista também alerta sobre a informalidade no mercado de trabalho brasileiro, que dificulta o planejamento de longo prazo em contratos de financiamento. "É essencial que as pessoas assumam compromissos financeiros compatíveis com seus orçamentos. Num país com economia instável e contratos extensos, os riscos são inevitáveis", complementa.
Por trás dos números estão histórias de luta e frustração. Daniela Maya Lemos, dona de casa, perdeu a residência onde morava com o marido após não conseguir manter as parcelas do financiamento.
"Era o nosso lar, construído com muito esforço e planejamento. De repente, perdemos tudo. É como se uma parte da nossa vida tivesse sido apagada", lamenta Daniela.
A maioria dos imóveis leiloados é retomada por instituições financeiras devido à inadimplência. O processo, que frequentemente oferece descontos significativos para quem compra, também evidencia o impacto social de uma crise econômica que afeta tanto os indivíduos quanto o mercado.
Embora os leilões sejam uma oportunidade de compra para investidores e consumidores em busca de imóveis a preços reduzidos, eles representam o capítulo final de uma trajetória marcada por dívidas e perdas.
O cenário atual exige atenção das autoridades, que precisam buscar alternativas para proteger tanto o mercado quanto as famílias endividadas. Para os especialistas, a solução passa por uma combinação de educação financeira, políticas públicas de apoio e maior flexibilidade nos contratos de financiamento.
Enquanto isso, os números continuam a crescer, transformando o mercado de leilões de imóveis em um dos setores de maior expansão no Brasil — mas à custa de sonhos interrompidos e lares desfeitos.