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Adeus ao mestre do pandeiro: morre Bira Presidente, lenda viva do Cacique de Ramos e do Fundo de Quintal

Aos 88 anos, Bira se despede deixando um legado inestimável ao samba brasileiro. Fundador do Cacique de Ramos e do grupo Fundo de Quintal, ele formou gerações, transformou o cenário musical e virou símbolo de resistência, alegria e cultura.

Atualizado em 15/06/2025 às 08:06, por Redação RL em Foco.

O samba chora, mas o show tem que continuar

O Brasil amanheceu mais silencioso neste domingo. A batida do pandeiro perdeu um de seus maiores mestres. Faleceu na noite do último sábado (14), aos 88 anos, no Rio de Janeiro, o inconfundível Bira Presidente — Ubirajara Félix do Nascimento — fundador do Cacique de Ramos e integrante do lendário grupo Fundo de Quintal. Internado no Hospital da Unimed Ferj, na Barra da Tijuca, Bira enfrentava uma batalha contra o câncer de próstata e também convivia com o avanço do Alzheimer.

Bira não foi apenas um artista. Foi um pilar da cultura popular brasileira, uma dessas raras figuras que moldam o tempo e deixam marcas que ultrapassam gerações. Sambista nato, sua trajetória é uma ode à resistência cultural, à música das periferias e à força criativa do povo negro. De menino de Ramos a ícone nacional, ele fez do samba sua voz, seu legado e sua alma.

Filho da música, neto da cultura

Nascido em 23 de março de 1937, no bairro de Ramos, Zona Norte carioca, Bira foi criado em uma casa onde o batuque, a fé e a celebração se misturavam no cotidiano. Filho de Domingos Félix do Nascimento e de Conceição de Souza Nascimento, foi apresentado desde cedo aos encantos da Umbanda e da música popular. A casa da família era frequentada por lendas como Pixinguinha, João da Baiana e Donga — nomes que qualquer livro de história da música reverencia.

Aos sete anos, desfilava pela Mangueira, escola que carregaria com orgulho no coração por toda a vida. Mas era nas rodas de samba do subúrbio que Bira encontrava seu verdadeiro lar: um terreiro de sons e abraços, de versos partilhados entre amigos, onde o batuque nascia da alma e se espalhava pelo chão batido.

O Cacique e o Doce Refúgio

Foi no dia 20 de janeiro de 1961 que Bira, ao lado de amigos e familiares, fundou o Grêmio Recreativo Cacique de Ramos. A princípio, apenas um bloco carnavalesco de bairro. Mas o que era apenas um sopro de alegria local logo se tornaria um dos maiores movimentos culturais da história do samba.

A sede do Cacique, apelidada de "Doce Refúgio", virou ponto de encontro de sambistas, compositores, poetas e sonhadores. Um verdadeiro quilombo musical que rompeu fronteiras e inspirou uma revolução rítmica. Era mais que um bloco, era um celeiro de talentos, e Bira, mais que presidente, era a alma que pulsava naquele terreiro.

Por isso, nunca houve outro "presidente". O título era dele — e só dele. Até o fim.

A revolução chamada Fundo de Quintal

Das rodas do Cacique, nasceu o grupo que viria a mudar os rumos do samba: o Fundo de Quintal. No final dos anos 1970, Bira e seus companheiros — entre eles nomes como Jorge Aragão, Almir Guineto, Sombrinha, Neoci e Ubirany — criaram uma nova linguagem para o gênero, incorporando instrumentos como o tantã, o repique de mão e o banjo.

Essa sonoridade inovadora, mais percussiva, mais vibrante, se tornou base do que o Brasil viria a chamar de "pagode". Mas não era um modismo: era a continuidade do samba de raiz, atualizado pelas mãos de quem carregava a tradição no sangue.

Bira, com seu pandeiro certeiro e sorriso largo, era a imagem da alegria nas rodas, no palco, nos discos. Um líder sem arrogância, um mestre sem vaidade, um artista que tocava com a alma.

Parceiro dos grandes, formador de talentos

Beth Carvalho, madrinha do Fundo de Quintal, via em Bira um mestre. Foi ao lado dela que o grupo gravou o histórico disco De Pé no Chão. Ali nascia uma nova era no samba. A partir de então, dezenas de grupos beberam na fonte de Bira: Exaltasamba, Revelação, Molejo, Soweto, entre outros.

Se o samba viveu uma nova juventude nos anos 1990 e 2000, foi porque Bira e seus pares pavimentaram esse caminho. E não apenas pela música, mas pelo espírito comunitário, pela abertura aos mais jovens, pela generosidade nas rodas.

"Ele formou mais do que músicos. Formou pessoas, formou famílias, formou gerações", afirmou Leandro Sapucahy em publicação nas redes.

Homem de fé, de dança, de amor

Além da música, Bira foi servidor público por muitos anos, até se dedicar integralmente à arte. Apaixonado por dança de salão, presença constante nas festas populares e torcedor fervoroso do Flamengo, era uma figura adorável, dessas que ganham o carinho das pessoas apenas com um olhar.

Deixou duas filhas — Karla Marcelly e Christian Kelly —, dois netos, Yan e Brian, e a bisneta Lua. Mas, no fundo, deixou milhões de filhos espalhados pelo Brasil: aqueles que aprenderam a sorrir e a cantar com ele, mesmo sem nunca terem apertado sua mão.

Despedida com honra e amor

O velório de Bira Presidente acontece nesta segunda-feira (16), das 14h às 16h30, na capela 9 do cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na zona Oeste — informa pelas redes sociais o Cacique de Ramos e o Grupo Fundo de Quintal.

Eles divulgaram, juntos, uma nota conjunta de pesar:

"Hoje nos despedimos daquele que é o próprio Cacique. Bira construiu uma trajetória marcada pela firmeza, pela ética e pela contribuição inestimável ao samba e à cultura popular brasileira. Sua atuação no Cacique de Ramos moldou o bloco e o samba. No Fundo de Quintal, foi o ponto de partida de uma linguagem que redefiniu a roda de samba e inspirou gerações."

O show tem que continuar

A morte de Bira Presidente não encerra um ciclo. Ao contrário: fortalece sua lenda. O samba segue vivo em cada roda que resiste, em cada batida de pandeiro que ecoa num quintal qualquer, em cada menino que sonha com um microfone e um banjo nas mãos.

Porque o show tem que continuar. E continuará. Com Bira no coração, no compasso e na memória.

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* Última atualização em 15/06, às 15h30.